18.5.09

Prémio FAUP de Fotografia de Arquitectura em 2009


ALMOST LIKE HOME


João Margalha(1) é o jovem talento que ganhou esta primeira edição do Prémio FAUP de Fotografia de Arquitectura em 2009.

A qualidade do trabalho de João Margalha e a circunstância de ter sido ele o designado pelo júri(2) como vencedor deste concurso são, por si só, um sinal positivo e encorajador, deixando adivinhar o interesse que este evento suscitou a muitas pessoas capazes de um trabalho em fotografia de qualidade e relacionado com arquitectura. Ficamos assim curiosos de ver os restantes trabalhos que foram a concurso.

O conjunto de 5 dípticos - ALMOST LIKE HOME - com que João Margalha ganhou o concurso é um interessante e rigoroso trabalho de fotografia conceptual. Uma narrativa visual que consegue integrar simultaneamente uma visão documental e artística através de um olhar crítico sobre os espaços de habitação massificados em que se vive em Portugal.

Existe um rigor “documental” nestes dípticos e uma disciplina do olhar que nos mostra como o fotógrafo foi capaz de imprimir o seu estilo próprio, isto é, a sua visão direccionada capaz de marcar e caracterizar de forma poderosa estes espaços desabitados. É o mesmo “ vantagepoint, frame, focus, and time”: os cantos, a rotação da direcção do olhar em cada um dos compartimentos, a mesma preocupação dada aos artefactos abandonados e à deterioração dos espaços, ou seja à acção do homem e do tempo. É também o mesmo cuidado com a luz e a cor, enfim, é uma gramática visual e um modelo mental(3) que “filtram” de forma disciplinada e distanciada estes lugares outrora habitados, criando dessa forma uma visão crítica muito poderosa e subjectiva. Na verdade, nós quase que sufocámos com a desolação claustrofóbica e a nudez destes interiores: compartimentos que deveriam ter características diferentes e que parecem todos iguais, onde não somos capazes de sentir a presença do exterior e da luz natural e que nos dão uma forte sensação de serem quase como que buracos existenciais.

Pode-se dizer que uma narrativa visual deste género pressupõe um observador distante do seu “objecto” de estudo, o que vai contra muitas das teorias e práticas de estudos de etnografia e antropologia urbana, que advogam um maior envolvimento, embora consciente, do observador-investigador(4) . No entanto, o trabalho de João Margalha e o seu “distanciamento” possui um valor particular que é o de constituir um “documento” visual e artístico capaz de comunicar uma nova consciência e um “novo realismo” sobre estes lugares banais. Relativamente a esta questão, é interessante referir que quando a fotografia ultrapassa o registo e passa a ser também um projecto artístico, o que acontece neste caso, a arquitectura representada passa a estar ligada às imagens de uma forma diferente. Neste caso, existe claramente um projecto conceptual que constrói uma narrativa crítica sobre a normalização e desumanização de determinados espaços de habitação.

É também possível relacionar ALMOST LIKE HOME com a Escola de Dusseldorf(5) e a chamada “deadpan photography”, bem como com algum do trabalho desenvolvido por Paulo Catrica. Na verdade, a forma como o trabalho de João Margalha dá força e visibilidade a estes lugares de habitação banais, o modo inerentemente crítico das suas narrativas visuais que transforma esses lugares em signos de espaços de habitar massificados, bem como o rigor e disciplina do seu olhar, fazem de certa forma lembrar o olhar desapaixonado e analítico dos Becher e de como a arquitectura foi (re)verificada por alguns dos fotógrafos da Escola de Dusseldorf como Thomas Struth, Axel Hutte ou Candida Hofer. Por outro lado, todas estas características bem como o facto de as imagens de ALMOST LIKE HOME levarem-nos a observá-las de forma contemplativa, significa um tempo de visualização continuado e lento patente na maior parte dos trabalhos de Paulo Catrica(6).


(1) João Margalha nasceu em 1966 no Barreiro e trabalha em Aveiro onde também vive. É licenciado em Planeamento Regional e Urbano e tem o mestrado em Planeamento e Projecto do Ambiente Urbano. A sua obra fotográfica está patente em diversas colecções - Fnac Portugal, Nokia Siemens Networks Portugal , Câmara Municipal de Santarém – e foi vencedor do Prémio Fnac Novo Talento Fotografia 2005, tendo também recebido uma Menção Honrosa na IX Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira. Das diversas exposições já realizadas destacam-se: Rencontres Internationales de la Photographie, Arles, França 2005, XI Exposition de Photographies d' Auteurs, Lacanau, França 2006, Fábrica - Centro de Ciência Viva, Aveiro, Museu Marítimo de Ílhavo, Ílhavo, X Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira.
(2) Constituído pelo fotógrafo Luís Ferreira Alves, pelo arquitecto José Salgado e pela professora Tereza Siza e assessorado por Tiago Casanova, representando a organização.
(3) Stephen Shore, The Nature of Photographs, London: Phaidon, 2007
(4) Gregory C. Stanczak, Visual Research Methods: Image, Society, and Representation, London:Sage, 2007
(5) Robert Hirsch, Seizing the Light: A History of Photography, London: McGrawHill, 2000
(6) Paulo Catrica

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